14 de setembro de 2014

Os comedores de tempo

Somos comedores de tempo. A nossa existência em si já comeu um tempo enorme e comerá outros tantos. Até o ser humano morrer acabam-se muitas vontades e possibilidades, mas a única coisa que não diminui é o apetite, como diria Veríssimo.
Porém, a esse ponto até discordo com ele e sinto muito ter que discordar com Veríssimo. Seu dito é apenas parcialmente correto; ele afirma que não perdemos a gula nunca, o que é verdade. Mas a gula por comer não é algo sempre presente. Você não termina de comer agora e pimba! Dali dois minutos comeria tudo de novo. Ninguém é obeso a esse ponto, pelo menos não com comida. Mas hoje, se te chamarem de gordo, não ligue… Você é mesmo! Um gordo que não para de comer o tempo, que nunca se sente saciado com o tempo que tem. Por vezes você vai pela pela bordinha, em outras ataca o meio do prato. Pensa que não sei? Algumas bicadas grandes, algumas pequenas. As grandes quando há muita felicidade ou afazeres, as pequenas quando não tem muito apetite de fazer algo.
Mas não se desanime, a gula não é um pecado tão grande assim. Pense que o único problema é quando não puder mais comer o tempo como um todo, quando lhe for tirada a capacidade de comer. Nesse dia você vai desejar não ter feito tanta dieta, não é mesmo? É daí que surge a grande dúvida da humanidade. E não se iluda, não é sobre porque mulheres vão juntas no banheiro (embora isso possa causar estudos minuciosos). Não. Na verdade é quanto tempo ainda nos resta para comer.
Mas também não se preocupe com isso. Sei que dá raiva do tempo. Todo dia a gente morre e renasce de novo numa velocidade que só pode ser acompanhada por essa nossa gula. Não adianta negar o prato, com aqueles garfinhos em forma de ponteiros, e nem tentar comer bem devagar. Você é guloso. Aceite, você o comerá. E o apetite pode até desaparecer, mas nunca paramos de comer porque comer é uma necessidade. Sabemos que se não comermos o tempo, sumiremos nele. Do mesmo modo sabemos também que um dia o tempo nos comerá. É quase uma relação canibalística (e ainda tem gente que acha bonito colocar o tempo em música ou verso).
O grande degustador é aquele que não esbraveja com o tempo. Nem adianta, ele não lhe ouvirá assim como a lasanha não escuta nada antes de ser digerida primeiramente na boca. Apenas enfeite e o tempere do melhor jeito possível… Com morangos, chocolate, uma pitada de sal ou tempero a gosto. Pode ser a leveza de uma fruta ou o estalo de um macarrão no céu da boca. Não se pode parar de comer, então deguste da melhor forma possível! 
Não há nada pior do que digerir uma coisa bravo e ficar com raiva de algo que não se pode evitar. É ficar com raiva de si por existir, uma coisa muito incoerente. Acredite, não importa se você come com hashis ou lambendo os dedos, tua forma é a melhor maneira de comer o tempo agora. Melhor apreciador para aquele que fez com amor e experimenta o seu próprio prato não há.

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