21 de abril de 2014

O abraço das 15 horas, 9 minutos e 1 segundo

A persistência da memória, de Salvador Dalí

"Sonhos vem, sonhos vão e o resto é imperfeito".
            Você sabe do que Renato Russo está falando, sabe que o resto é imperfeito e mesmo assim não consegue parar de escutar a música. Volta nela quando acaba e, enquanto ela dura, vira um momento fugaz na sua imperfeição, que você queria que fosse eterno.
            Entra Titãs e você sabe que é "pra sempre enquanto durar" e que "pede somente o que puder dar". Porém, mais uma vez a música acaba e vocês marcam algo. Não você e o Titãs. Você marca algo com ela ou com ele, mais precisamente às 14h23m17s.
- Está bem, 14h23m17s.
- Esquece, vou me atrasar.
- Que horas, então?
- 14h25m25s.
- Está bem.
Você toma um banho, 13h29m16s. E porque não ouvir mais uma música? Você quer colo, fugir de casa, dormir aqui com vocês. Então, descobre pela centésima vez que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, afinal, se você for parar para pensar, não há.          Agora, quer ouvir essa nova música inteira por uma hora, mas ela tem 5m8s e o tempo escorre pelas suas mãos. Você sai de casa, pega o metrô às 14h2m10s.
            O trem para e você pensa que vai se atrasar mais do que imaginou. Talvez chegue ás 14h26m7s. Começa a reparar nos pulsos onde repousam relógios que marcam horas desreguladas; um está marcando 14h10m3s, outros estão marcando 14h10m4s e ainda há aquele de 14h10m6s. Uma ousadia com o tempo, o relógio oficial, horário de Brasília, marca apenas 14h10m2s.
            Enfim, a garota – ou o garoto, ou você – chega às 14h23m47s. Beijam-se relativamente rápido e saem para comer algo rápido também. Não há muito tempo.
- Escolha um lugar,
- Que horas são? 
- 14h33m25s.
- Já?
Saíram andando rápido, almoçaram.  
-15h2m48s. Melhor ir para o seu ponto.
- Tem razão. 
            A esse momento o farol fechou. Não qualquer farol, mas o farol mais demorado da região fechou. Olharam-se por um momento, os relógios marcavam 15h8min, mas um abraço ignorava os ponteiros.
            Que parte difícil de explicar esta; é bem parecida com o momento da música, mas você sabe que vai acabar e que não poderá repeti-la. Deseja cada vez mais aproveitar aquele momento. Extrai tudo o que pode dele e consegue senti-lo no vento, no sol, no calor e nos corpos juntos.
E dizem que o momento fugaz que deseja ser eterno são as grandes felicidades da vida. Será verdade? A felicidade é um momento fugaz que luta para ser eterno? Um momento tão bom, uma felicidade tão plena, que não pode permanecer mais do que alguns minutos, caso contrário se esgotaria em si mesma? Uma felicidade que desembainha uma espada e escudo, e mesmo assim não vence.
Que loucura são esses momentos que desejam ser eternos. Então, a felicidade não ganharia? Se for assim, por que ainda guardamos esses momentos por tanto tempo em nossas mentes até que ele soe ridículo? Fernando Pessoa diria que todas as cartas de amor são ridículas. Seriam elas ridículas por que estão imersas nesses momentos fugazes, que querem ser eternos? Também não podemos explicar esses momentos por se tratarem de um sentimento. Se alguém puder explicá-lo e, ainda assim, outro alguém puder entendê-lo, nunca será em sua totalidade. O momento não se retém nos dedos da pessoa que vive e muito menos da pessoa que não estava por ali.
            Se te perguntarem, você pode dizer isso mesmo. Momentos eternos e felizes são aqueles fugazes que lutam para serem eternos, que são ridículos e que são uma faísca de felicidade. Você também pode explicar que cada faísca de felicidade compõe a sua vida e que cada momento fugaz eterno na sua mente aumenta essa faísca, transformando-a em um raio de luz.
            Cada raio, por sua vez, dá sentido a sua vida. Poucos são os seres e situações capazes de lhe proporcionar esses raios. Você dirá que quando estes poucos lhe aparecem é necessário saber lutar ao lado da felicidade para que eles durem não só na sua mente, mas na mente do maior número de pessoas quanto for possível.
            Os raios tem um alcance incrível, muitas vezes não são necessárias palavras quando eles acontecem. Se elas fossem necessárias, você poderia perguntar para a outra pessoa se o momento foi fugaz o suficiente para que ela desejasse ser eterno. Mas não há necessidade disso.
            Todos os momentos que querem ser eternos são imperfeitos, ridículos e fugazes. Não seriam momentos fugazes que lutam para serem eternos se não fossem ridículos e imperfeitos. Duvidam? Tentem explicar qualquer momento fugaz eterno para alguém e peça que o compreenda. A maior parte deles são trechos tão pequenos que poderiam não ter acontecido. E se não tivessem?
O Abraço da história se soltou, o farol abriu e um suspiro foi lançado ao ar. 15h9m1s.
- Esse foi um abraço muito bom. – Disse sorrindo.
- Concordo plenamente.



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