24 de novembro de 2013

Os aproveitadores do acaso

~~Abrindo a Sessão Encontros na Trianon~~


Por quantas vezes você já se perdeu em meio a uma multidão? Agora, por quantas vezes você já se perdeu em meio a sua multidão? Estava lá com todos seus pensamentos, sentimentos e emoções, mas acabou se perdendo, sem saber em qual rua dava na esquina com a felicidade, sem saber qual avenida seguia em direção ao seu sonho ou em qual número deixou sua cabeça.

Porém, você não é o único a se perder. O bom é que sempre tem alguém no meio da multidão capaz de te dizer o caminho exato, assim como tem sempre alguém que está mais perdido do que você. Outras vezes, enquanto a gente está perdido, aparecem certos acasos, noutras estamos muito bem encaminhados até o acaso vir e nos fazer perder. Mas do que eu estou falando? Vou dar um exemplo real.

Um homem estava em um hotel de Goiás, ouviu a porta do elevador se abrindo, mas lembrou-se de que estava esquecendo algo no quarto e voltou para pegar.  Apertou o botão do elevador novamente, já com os óculos de sol, e a porta se abriu. Ele entrou apressado, apertando o botão do térreo (que já estava apertado), e olhou para o lado. Lá estava ela.

Espantou-se e notou nela uma cara de surpresa, ela esbanjou um sorriso e ele soltou um “Caramba!”. Quantos anos não a via, desde que ela teve de sair de sua cidade para ir estudar fora e eles tiveram que se separar, desde então nunca mais se viram, nunca mais se falaram.

Se ele estivesse perdido nele mesmo a história poderia ser diferente, porque ele poderia não ter feito nada... Poderia ter perguntado como ela estava e só. Perguntaria se ela tinha voltado para São Paulo e, ao responder que sim, ele perguntaria se ela estava bem, se estava namorando. Perguntaria como ainda não tinham se visto. É que ela não estava hospedada lá, tinha ido visitar uma amiga. E ele diria adeus, porque na mesma noite ela estava indo embora daquela cidade, portanto, eles nunca mais voltariam a se cruzar naquele elevador, nem em qualquer outro, nem em lugar algum.

Separamos nesse ponto a diferença que faz estar perdido nessas horas; por tantas maneiras somos coadjuvantes e rimos de coincidências. Mas por vezes somos mais que isso e conseguimos ser os aproveitadores do acaso.Sem entender bem o que se passava ou sem tentar entender ele pegou o seu telefone, e o seu celular, e todas as suas redes sociais, e seu e-mail e até mesmo seu endereço. Saiu prometendo ligar e ligou, depois disse que queria vê-la e a viu.

O final fica oculto nessa história. Foi só mais uma que ouvi na Trianon, talvez nem tenha final, mas responda sinceramente: isso importa? E se a história lhe pareceu demasiadamente romântica, talvez seja mesmo. O fato é que ele não estava suficientemente perdido nele mesmo para achar em algum momento que não daria certo ou perdido demais para ouvir alguém que estava mais perdido do que ele.

O problema de estar perdido é que você se arrepende do tempo que está desperdiçando enquanto poderia estar com você. Então tudo passa rápido demais aí dentro e você acaba se perguntando onde está tudo aquilo que deixou. Não se trata apenas de uma história romântica, um acaso entre duas pessoas, o destino ou seja lá o que isso for,  se trata de fazer o que se tem vontade. De ser um aproveitador do acaso.

Ninguém aproveita devidamente o acaso se parece uma barata tonta sem direção. É preciso que haja um caminho, porque se não houver nenhum também não há alternativas. Funciona como uma bússola e uma direção, se você souber para onde está o Norte saberá todas as outras direções, terá todos os outros caminhos. Como aproveitar o acaso se você não tem um Norte? O acaso sempre vai estar lá para quem não estiver perdido e o puder ver, não importando muito onde o acaso vai dar. Porque quando ele existe, quando ele está lá, é quase um pecado não aproveitar.


18 de novembro de 2013

Resenha de A Sangue Frio

Por: Stephanie Vapsys

A família Clutter era uma típica família estadunidense vivendo os áureos tempos do
American way of life. Herbert, o pai da família, era um homem religioso, bom e de grande prestígio para a comunidade; Bonnie se tratava da perfeita dona de casa dos anos 50; Nancy, por sua vez, a filha exemplar que ensinava as colegas a assar tortas; e Kenyon era o estereótipo do comum adolescente americano.
Os Clutter ainda tinham dois outros filhos, que não moravam mais na pacata cidadezinha do Kansas, Holcomb. Eram ricos, mas humildes e de grande popularidade na comunidade. Tudo estava normal, mal sabia Nancy que estaria assando sua última torta no dia 14 de novembro de 1959, pois ela, seus pais e seu irmão mais novo seriam assassinados de madrugada.
É em cima disso que o Truman Capote decide iniciar aquilo que autodenominou de romance não-ficcional. Após seis anos estudando o crime e suas consequências, o jornalista que no início queria só fazer uma reportagem, acabou escrevendo um livro que lhe rendeu o sucesso e alguns milhões de dólares, A Sangue Frio.
A grande sacada foi transformar os assassinos, Dick e Perry nos verdadeiros protagonistas do romance, criando assim um perfil psicológico para cada um. Truman conviveu com a dupla por todo o período que eles ficaram presos, até serem enforcados, criando um relato detalhado abrangendo a vida inteira dos dois.
O envolvimento de Capote com os assassinos tomou uma profundidade tão grande que pode ter até desconstruindo um pouco a ideia do não ficcional, romantizando os personagens, principalmente Perry. É percebível a ideia que o livro tenta passar de que Dick é pior que Perry. Será que era isso mesmo, ou era o que Truman pensava?
Ao fazer as entrevistas, Capote conversava com os personagens sem um gravador na mão e quando questionado, afirmava que tinha uma grande capacidade de decorar e que depois conseguia reescrever praticamente 90% da conversa.
Apesar de ser um grandessíssimo trabalho de história oral, é questionável quanto é fidelidade aos fatos pois já há uma tendência do entrevistado editar a sua própria história, uma vez que a pessoa sempre quer deixar uma história mais interessante. No caso de A Sangue Frio, essa edição acontece, ainda, uma segunda vez pelo autor.
Mesmo com todo esse debate sobre o que é ficcional ou não ficcional, que até o próprio jornalista já confessou ter adicionado algo mais, o primor da obra se encontra na visão detalhista mas de linguagem seca, tentando ao máximo suavizar a situação sem perder a essência do que realmente aconteceu na casa dos Clutter e o que levou a dupla a tal ato.
Outro ponto alto da obra é a feroz crítica à época, em que o que o país estava vivendo. Ao fazer flashbacks da infância dos dois, fica claro que ninguém nasce mal, mas o meio pode os corromper. As famílias de Perry e Dick não tiveram a mesma condição social que os Clutter e as dificuldades que ambos passaram resultaram na metamorfose de dois homens em dois em assassinos.

E no fim, o livro levanta uma reflexão que até mesmo os mais ricos podem sofrer com a desigualdade social. Afinal, se Perry e Dick tivessem boas condições, nunca seriam presos, nunca se conheceriam e logo nunca assassinariam os Clutter.

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